Ela tenta focalizar o seu rosto embriagado no espelho do
banheiro do velho puteiro. Ela treme. Se sente enjoada e ofega por ter lutado e
corrido para escapar de outro velho repugnante. Seus olhos borrados, o rímel
preto escorrendo. Seu batom vermelho espalhado pelo canto esquerdo da sua boca.
Quando o vazio de uma vida inteira é preenchido em pouco tempo, as emoções
mórbidas se tornam finalmente vivas. E isso a deixa totalmente desestabilizada.
Ela não consegue parar de chorar ao lembrar-se dos poucos momentos em que ela
se sentiu viva e feliz. Ao lembrar-se dos olhos e do sorriso dele.
O homem
gentil e poético conseguiu ler Roxanne nas suas entrecurvas. Caiu de amores por ela e sabia que jamais se sentiria assim
novamente. Por ninguém. Ele pedia para que ela acreditasse quando ele falava do
seu amor. Roxanne sentia medo, mas, no fundo, sentia que o “Eu te amo tanto...”
que saia da boca daquele homem não era o misto fétido casual de álcool e
tabaco, depois de ter ido ao céu e voltar para jogar algumas notas nos pés
dela. Roxanne sabia que o sentimento sobre o qual ele falava, às vezes
cantando, às vezes em versos, arrancando do seu rosto um sorriso raro e
verdadeiro, era mais do que uma paixão irracional ou delirante. Ela não
conseguia verbalizar, mas sabia que também iria amá-lo até o dia da sua morte.
Ele disse que ela não precisa mais se vender, que iriam fugir. Disse iria
fazê-la conhecer outras luzes e cores além do monótono vermelho. Ela demorou
demais para acreditar. O seu cafetão matou a facadas o amável homem na calçada
do prostíbulo.
Era isso que estava fazendo com que ela estivesse andando, nas
pontas dos pés, à beira da loucura. São sentimentos com os quais ela não
consegue mais lidar. Os flashes da sua vida inteira eclodem subitamente na sua
mente e parecem reais demais. A mesma dança intensa freneticamente alternada. A
penumbra. Os mesmos toques indiferentes. A penumbra. O mesmo desejo impessoal.
Eles a beijam e ela sente o gosto dele. Sente nojo de si mesma. É mais do que
ela pode suportar. Roxanne abre o armário do banheiro e coloca na boca todas as
cápsulas do seu remédio tarja preta e procura a sua garrafa de whisky para
conseguir deglutir tudo de uma vez. Ela se deita no chão frio do banheiro e
espera que o seu desespero passe. Mas ela não viu o desespero passar. A única –
e última – coisa que ela viu foram os olhos verdes do seu doce homem. E Roxanne
sorriu. E o amou até o dia da sua morte.
Inspirado no filme Moulin Rouge!, especialmente na cena El Tango de Roxanne.